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A influência das mídias no comer transtornado

Escrito por Luana Friedrich, nutricionista especializada em Comportamento Alimentar

Com a expansão e influência das mídias sociais relativamente recentes, muitas mudanças vêm ocorrendo, como reforço do cenário sociocultural contemporâneo ao qual estamos inseridos.

É inegável que as mídias sociais estão cada vez mais atuantes na vida dos indivíduos e podem persuadir de maneira positiva ou negativa, em diferentes setores da vida, sejam elas mídias tradicionais, como televisão e revistas, ou como o fenômeno Instagram.

O Instagram é a rede social com mais acessos em relação aos temas sobre estética, alimentação saudável e notícias em geral. (1) 

As mídias sociais instauraram a possibilidade de qualquer sujeito se tornar um influencer  – influenciador, palavra de origem medieval, significa que ou o que influência; poder ou ação que alguém exerce sobre outra pessoa; pessoa que detém o poder de influência em um determinado grupo de pessoas.   

Uma pesquisa realizada sobre o assunto, apontou que existem hoje cerca de 230 mil influenciadores digitais somente no Brasil. Destes, 40% são mulheres e 60% homens.  (2)

Diversas pesquisas vêm sendo realizadas para compreender os impactos das mídias em diversos âmbitos na vida das pessoas, tanto para os que atuam com as redes – os produtores de conteúdo, quanto para quem consome os mesmos.

Mas antes de adentrarmos sobre os impactos das mídias em si, é necessário lembrar que em nossa sociedade atual lamentavelmente o corpo é um mecanismo de constituição de identidade, de poder, prestígio e, atributos como inteligência, elegância, postura, conduta, caráter, conhecimento, educação, formação,  passam aparentemente a  ser desqualificados, estimulando a idéia de que valores superiores são atrelados aos da corporeidade, muito influenciado pelas imposições sociais, reforçando o discurso midiático contemporâneo, onde o conceito de beleza e pertencimento são claras e persuasivas, apesar de fúteis e rasas. (3)

A plataforma Instagram se tornou uma plataforma  de influencers, que se intitulam criadores de conteúdo, mas que aparentemente o fazem a base de seus corpos: vê-se as publicações por parte maior das mulheres e em menor número, porém em crescimento dos homens – ambos creditando infelizmente seu valor na idolatria corporal. Talvez façam isso como uma maneira de atrair seguidores, curtidas, auto validação, auto afirmação, camuflando questões emocionais. Mas, há um viés perigoso neste cenário: a maioria vende um lifestyle que muitas vezes não retrata a realidade, como dietas restritivas e exercícios físicos, justificando o corpo sem gordura e tonificado, torneado, mas fazem isso a base do uso de hormônios esteroides, pois fisiologicamente o corpo não consegue chegar a tal sem estes estímulos, além claro de procedimentos diversos. E, claro, omitindo estas informações. Este cenário é cada vez mais recorrente no meio midiático, impactando fortemente os indivíduos de forma patológica. 

De um lado impacta quem vende algo falso, que se apresenta no instagram com uma máscara, apenas para conseguir plateia, holofotes, onde apelações, vulgaridade não parecem ser o problema para este perfil. 

Por outro lado, os que infelizmente e ilusoriamente necessitam consumir este tipo de conteúdo se sentem fracassados, invalidados, excluídos, autoestima baixa, ansiedade, depressão por não conseguirem chegar ao corpo daqueles influencers, mesmo fazendo muitas dietas restritivas (fator de risco para transtornos alimentares, medicalizando o alimento) e extenuantes atividades físicas como é enganosamente postado pelos influenciadores.

Cada vez mais está se instaurando uma identificação com o virtual, com viés doentio para os sujeitos em âmbitos variados: fisicamente, emocionalmente e claro no âmbito nutricional e, deste modo temos a conjunção perfeita para o desenvolvimento de um padrão alimentar disfuncional, comer transtornado e seus desdobramentos. Não é à toa que o Brasil ocupa o primeiro lugar de país mais ansioso do mundo e, a alimentação disfuncional, o comer transtornado vem acompanhado deste quadro, pois as emoções nos alimentam e muito. 

Dentro deste cenário todo, nem o meio acadêmico resistiu. Até graduandos e profissionais de saúde estão sendo impactos com o instagram conforme evidenciam as pesquisas. Estes apresentam problemas com sua imagem corporal, refletindo na alimentação, pois há uma pressão da sociedade para que estes profissionais apresentem boa estética, correspondendo às expectativas da sociedade de corpo ideal, como se a excelência e competência do profissional estivesse atrelada ao físico. (4, 5, 6). Mais estudos mostram que estudantes e profissionais da saúde têm maiores chances de desenvolver algum problema de ordem alimentar por pressões estéticas.

E, sem muitos princípios, há uma gama de profissionais de saúde vendendo seu trabalho à base do seu corpo, e não da sua expertise, usando-o como atrativo talvez para conseguir pacientes ou para obter uma fictícia fama, validação. 

 Está havendo um conflito entre o que é ser profissional, o que é ética e imposição por padrões contemporâneos. Se os profissionais de saúde estão nesta direção, como eles próprios vão conseguir ajudar seus pacientes que sofrem de transtornos de imagem corporal e alimentar?

Emerge uma necessidade urgente de desatrelar o sucesso de todos os sujeitos das redes sociais quando associado ao uso do corpo. A desconstrução dessa realidade da nossa sociedade, que é pautada em valores volúveis requer esforço e conscientização, mas que se faz importante, pois somente assim o resgate de valores mais sólidos pode ter espaço. 

Além de se fazer necessário sermos mais criteriosos no modo como nos posicionamos nas mídias, pois afinal é nossa imagem que está em pauta e, neste momento é minimamente nosso dever refletir: o que estamos e o que queremos transmitir com nossas imagens e conteúdo?  

Transmitimos uma imagem séria, sólida, profissional, confiável?

Qual o objetivo com as postagens? Estamos agregando valores para quem nos segue?

O que consumimos nas redes também guarda relação com a construção da nossa imagem. A imagem é uma linguagem não verbal, que em muitos casos fala mais que palavras, então cuidado! E as mídias têm este poder de retratar de forma não verbal nosso perfil – fotos – postura – roupagem – feições, já são sinalizadoras de conduta. Neste momento vem a pergunta: estamos sinalizando profissionalismo, ética, estamos agindo de maneira assertiva e adequada?

Por fim, a natureza centrada na imagem faz do Instagram uma rede social particular, pois imagens são mais fáceis de serem lembradas do que as palavras. E a influência destas imagens impacta as pessoas sobre muitos prismas, principalmente sobre o comportamento alimentar, podendo ser de forma direta, indireta, consciente ou subconsciente.

 

Bom, posto isso, vamos ao que as pesquisas nos mostram!

Laus, em um dos seus estudos, nos mostra que a exposição da população a imagens corporais idealizadas pelas mídias tem grande influência sobre a busca do corpo idealizado perfeito, mesmo que impossível de ser alcançado, o que acaba levando a métodos inadequados e, muitas vezes, ineficientes e perigosos à saúde. Os autores destacam a necessidade de reduzir a exposição a esses conteúdos que apresentam imagens de corpo ideal e encorajar a veiculação de imagens de pessoas com peso real, sem distorção da imagem através de alterações de computação, ou uso de substâncias farmacológicas, por exemplo. A conscientização desencorajando o uso de manipulação de imagens, de drogas e esteroides além dos malefícios associados à busca pelo corpo “perfeito” devem ser incentivados por profissionais da saúde, da comunicação e por pesquisadores. A mídia tem o poder de influenciar negativamente aspectos relacionados ao corpo e à saúde, porém a mesma mídia também poderia e deveria ser fonte importante nas campanhas de conscientização e promoção de hábitos saudáveis de alimentação, prevenção de transtornos e desconstrução deste cenário adoecido. (7)

Mais evidências na literatura sustentam a relação entre uso de redes sociais e insatisfação corporal, com potenciais repercussões negativas no comportamento alimentar. 

Holland e Tiggemann(8), em revisão sistemática sobre o impacto do uso das mídias sociais na imagem corporal e no comer transtornado, apontaram como problemática algumas atividades nessas redes, tais como seguir contas focadas na aparência e contas de conteúdo fitness no Instagram está associado à internalização do ideal e desejo de magreza e à vigilância corporal e ao desejo pela magreza. 

Consequentemente, o indivíduo que não souber lidar com essas questões dos impactos das redes sociais pode desenvolver distorções da própria imagem, tornando-se mais propenso a recorrer a medidas como dietas restritivas e exercício físico excessivo, a ponto de prejudicar a própria saúde em âmbitos diversos. (9).

Em uma sociedade onde se cultuam, validam, prestigiam e empoderam corpos ao invés de mentes, é dever nosso romper com este consumo midiático alienado e inútil, dentro do discurso contemporâneo, para lançar luz sobre valores superiores aos da corporeidade, podendo atrelar sucesso, prestígio, validação aos sujeitos pelos atributos intelectuais, desintegrando aos poucos as múltiplas implicações que este perfil de rede social causa nelas mesmas e em terceiros.

REFERÊNCIAS


  1. COSTA, M. L.; ARAÚJO, D. F. S.; CASSIANO, M. H.; FIGUEIRÊDO, H. A. O.; OLIVEIRA, V. T. L.; BARBOSA, I. R. Associação entre o uso de mídias sociais e comportamento alimentar, percepção e checagem corporal. Braz. J. Hea. Rev., Curitiba, v. 2, n. 6, p. 5898- 5914 nov./dec. 2019.
  2. Youpix. (2016). Influencers market. Recuperado de https://medium.youpix.com.br/pesquisa-youpix-influencersmarket-2016-23a71e50fa13.
  3. Gracia-Arnaiz M. Thou shalt not get fat: medical representations and self-images of obesity in a mediterranean society. Health. 2013; 5(7):1180-1189.
  4. Rolim, A.C.P.; Silva, G.F.; Oliveira, L.V.; Araujo, L.C.; Santos, N.R.; Braga, V.A.L.; Coura, A.G.L. Análise dos Fatores Associados ao Transtorno de Compulsão Alimentar em Adolescentes: Uma Revisão de Literatura. Brazilian Journal of Health Review. Vol. 4. Num. 6. 2021. p. 28873.
  5. Gabriel, B.A.; Marques, S.O.; Viana, V.M.; Carboni, E.S.; Santos,H.O.; Madeira, K.; Michels, C.; Luciano, T.F. Prevalência dos transtornos da compulsão alimentar periódica em universitários da área da saúde. Revista Brasileira de Nutrição Esportiva.São Paulo.Vol. 16. Num. 96. 2022. p. 12-26.
  6. Lucena, S.R.S.; Peixoto, I.B.; Sobrinho, I.A.S.; Nunes, R.C.T.; Sillero, O.M.O.; Ribeiro, K.B.; Carvalho, A.C.G.; Pureza, I.R.O.M.; Aquilino, G.M.A.; Gusmão, W.D.P. Imagem corporal e risco para desenvolvimento de transtornos alimentares em alunos de Nutrição e Educação Física. Research, Society and Development. Alagoas. Vol. 11. Num. 2. 2022. p. e6811225418.
  7. LAUS, Maria Fernanda. Influência do padrão de beleza veiculado pela mídia na satisfação corporal e escolha alimentar de adultos. Tese de Doutorado, Departamento de Psicologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto. 2012.
  8. Holland G, Tiggemann M. A systematic review of the impact of the use of social networking sites on body image and disordered eating outcomes. Body Image. 2016;17:100-10.
  9. Sroczynski, H.C. Imagem Corporal dos acadêmicos do Curso de Educação Física em diferentes semestres do Centro Universitário Feevale. TCC. Universidade Feevale. Novo Hamburgo. 2007.
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