Entendendo mais sobre as ITU
As infecções urinárias do trato urinário (ITUs) podem ser causadas por vários patógenos, mas o mais comum é a bactéria Escherichia coli e é uma das principais causas para o uso de antibióticos. As ITUs são uma das mais comuns infecções bacterianas em mulheres, sendo frequentemente uma doença recorrente neste público, o que afeta de forma expressiva a qualidade de vida. Ainda, no verão, a preocupação deve ser maior. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, nessa estação do ano, há aumento da incidência de ITU devido a dois principais fatores associados: desidratação e aumento da umidade na região genital, que levam ao aumento da proliferação bacteriana.
A chance de ocorrer no público feminino é o dobro do que no masculino, sendo que essa prevalência aumenta com a idade. Esse fato relaciona-se principalmente em razão da anatomia do trato urinário das mulheres, que possuem a uretra mais curta e, também, pelo fato dos homens terem um maior fluxo urinário e a presença do fator antimicrobiano prostático.
A literatura científica aponta que cerca de 20 a 30% das mulheres terão ITU de repetição, as quais são definidas como 2 ou mais episódios nos últimos 6 meses ou 3 ou mais episódios nos últimos 12 meses. E, no setor de cuidado primário da saúde, a prevalência desta é de 53% em mulheres com mais de 55 anos e de 36% em mulheres mais jovens. As ITUs de repetição podem levar a consequências mais graves, como pielonefrite, doença renal crônica e complicações por causa do uso frequente de antibióticos, como resistência antimicrobiana e colite pela Clostridium dificile.
O papel da microbiota vaginal na patogênese da ITU
Além da anatomia, a microbiota vaginal desempenha um papel importante na patogênese das ITUs. O passo inicial na patogênese da ITU é a colonização do introito vaginal e periuretra com os uropatógenos infectantes, seguida pela ascensão dos uropatógenos através da uretra até a bexiga e, às vezes, até os rins, para causar infecção. Assim, a compreensão dos fatores que afetam a microbiota da vagina é a chave para compreender a patogênese da ITU e projetar intervenções para prevenir as ITUs.
Uma microbiota vaginal saudável apresenta uma concentração de cerca de 90% de bactérias do gênero Lactobacillus. Os mecanismos propostos pelos quais este gênero pode prevenir a colonização vaginal por uropatógenos incluem a exclusão competitiva de uropatógenos pela adesão de espécies de Lactobacillus às células uroepiteliais; redução do pH vaginal pela produção de ácido láctico; produção de bacteriocinas, surfactantes e outros produtos antimicrobianos; e, finalmente, produção de H2O2. Assim, a presença de uma disbiose vaginal, com redução do gênero Lactobacillus, pode aumentar a chance do desenvolvimento de ITU. Redução dos níveis de estrogênio, como na menopausa, tratamentos com antibióticos e, potencialmente, o uso de produtos com espermicida podem levar à disbiose vaginal (STAPLETON, 2016).
O papel da nutrição nas ITUs de repetição
Pensando no impacto do bem-estar feminino que esta desordem causa, principalmente devido ao uso frequente de antibióticos, é necessário pensar em estratégias alternativas e até mesmo preventivas das ITUs de repetição. Neste sentido, podemos destacar a importância das estratégias nutricionais, de forma a contribuir para restaurar a qualidade de vida das pacientes.
Cranberry + própolis
Diversos estudos já demonstraram os benefícios da suplementação com cranberry (Vaccinium macrocarpon) na prevenção de ITUs. Isso provavelmente devido à ação das proantocianidinas presentes nesta fruta, que parecem inibir a adesão da E. coli ao epitélio do trato urinário, assim, dificultando a sua colonização e, consequentemente, a infecção. Porém, recentemente, a literatura científica vem apontando a eficácia da suplementação combinada entre o cranberry e a própolis, em que este composto parece intensificar os benefícios do cranberry (RANFAING et al., 2018). Bruyère et al. (2019), em um estudo multicêntrico, randomizado e controlado por placebo, avaliaram os efeitos da suplementação combinada entre própolis e cranberry em mulheres com ITU recorrente. O grupo de intervenção contou com 42 mulheres; e o placebo, 43, sendo a idade média 53 anos e uma média de 6 episódios de cistite ao ano. O grupo de intervenção teve número significantemente menor de ITU recorrente e número médio de infecções foi menor no grupo própolis + cranberry, além do tempo médio para o início da primeira ITU também ter sido significativamente maior no grupo própolis + cranberry.
Probióticos
Das (2020) reúne evidências de que a suplementação com probióticos pode auxiliar na prevenção de ITU de repetição. A suplementação com Lactobacillus rhamnosus GR-1, Lactobacillus fermentum RC-14 ou mix de probióticos (L. rhamnosus, B. lactis e B. longum) foi eficaz na redução do risco de desenvolvimento de infecções urogentais. Além disso, o consumo de produtos lácteos fermentados contendo bactérias probióticas também é capaz de reduzir a recorrência de ITU.
Ácido hialurônico + condroitina
Para manter o epitélio da bexiga íntegro, de forma a conservar sua capacidade de combater infecções, essas células produzem glicosaminoglicano polissacarídeo sulfatado (GAG), que recobre o epitélio e forma um fator de antiaderência não específico e é formado majoritariamente por ácido hialurônico e sulfato de condroitina. Alguns fatores secretados por E. coli e outros patógenos são capazes de danificar a camada de GAG para preparar sua adesão. A literatura científica demonstra que a suplementação combinada desses dois nutracêuticos, associada com cúrcuma e quercetina, é capaz de auxiliar na prevenção de ITUs de repetição, tanto em mulheres no período fértil como nas menopausadas (nestas, se associada à terapia de estrogênio, potencializa ainda mais os efeitos da suplementação) (TORELLA et al., 2016; SCHIAVI et al., 2019).
REFERÊNCIAS
GUGLIETTA, A. Recurrent Urinary Tract Infections in Women: Risk Factors, Etiology, Pathogenesis and Prophylaxis. Future Micobiology, v. 12, p. 239-246, 2017.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE NEFROLOGIA. Notícias. https://sbn.org.br/verao-aumento-dos-casos-de-infeccao-urinaria/
FLORES-MIRELES A.L.,et al. Urinary tract infections: epidemiology, mechanisms of infection and treatment options. Nat Rev Microbiol. v.13, n.5, p.269–284, 2015.
STAPLETON, A.E. The Vaginal Microbiota and Urinary Tract Infection. Microbiol Spectr., v.4, n.6, p.10, 2016.
DAS, S. Natural therapeutics for urinary tract infections-a review. Futur J Pharm Sci, v.6, n.1, p.64, 2020.
LOUBET, P. et al. Alternative Therapeutic Options to Antibiotics for the Treatment of Urinary Tract Infections. Front Microbiol, v.11, p.1509, 2020.
FU, Z. et al. Cranberry Reduces the Risk of Urinary Tract Infection Recurrence in Otherwise Healthy Women: A Systematic Review and Meta-Analysis. The Journal of Nutrition, v.147, v.12, p.2282-228, 2017.
BRUYÈRE, F. et al. A Multicenter, Randomized, Placebo-Controlled Study Evaluating the Efficacy of a Combination of Propolis and Cranberry (Vaccinium macrocarpon) (DUAB®) in Preventing Low Urinary Tract Infection Recurrence in Women Complaining of Recurrent Cystitis. PLoS One. v.13, n.8, 2018.
RANFAING, J. et al. Propolis potentiates the effect of cranberry (Vaccinium macrocarpon) against the virulence of uropathogenic Escherichia coli. Sci Rep., v.8, p.10706, 2018.
SCHIAVI, M. C. et al. Orally Administered Combination of Hyaluronic Acid, Chondroitin Sulfate, Curcumin, and Quercetin in the Prevention of Postcoital Recurrent Urinary Tract Infections: Analysis of 98 Women in Reproductive Age After 6 Months of Treatment. Female Pelvic Med Reconstr Surg., v.25, n.4, p.309-312, 2019.
TORELLA, M. et al. Efficacy of an orally administered combination of hyaluronic acid, chondroitin sulfate, curcumin and quercetin for the prevention of recurrent urinary tract infections in postmenopausal women. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol, v.207, p.125-128, 2016.